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Baixa renda fica fora do plano habitacional

abril 17, 2009

sexta-feira, 17 de abril de 2009, 10:24 

 

Para arquiteta, mercado vai aproveitar para atender faixa de 5 a 10 salários, deixando mais necessitados de lado

David Moisés, do estadao.com.br

SÃO PAULO – Em entrevista ao estadao.com.br, a arquiteta Hermínia Maricato, ex-secretária-executiva do Ministério das Cidades, comentou o pacote habitacional Minha Casa, Minha Vida, lançado neste mês pelo governo Lula. Leia os principais trechos da entrevista: 

Veja também:

somOuça a íntegra do trecho

linkConstrução terá dificuldade para executar pacote de Lula

 

 

Nós temos um mercado que nunca se interessou pela renda média (eu não vou dizer nem baixa), é um capital imobiliário que trabalha com uma produtividade questionável. Quando fiz meu doutorado, acompanhei as discussões das regras do BNH para o Sistema Financeiro da Habitação. O mercado fazia pressão sobre o governo sempre para ampliar para cima as camadas a terem acesso a esses recursos.

 

O pacote habitacional tem subsídio. De zero a três salários é maior, claro. Mas veja: no ano passado, foram construídas 130 mil unidades; há no pacote uma previsão de construção de 300 mil unidades entre cinco e dez salários. Então, o mercado vai usar toda a sua capacidade para construir isso. A taxa de lucro é muito melhor, é mais atrativa.

 

Como eu fui secretária na gestão da (Luíza) Erundina, eu sei o tempo que se leva arrumando a terra, elaborando um projeto, licitando o projeto e começando a obra. Fizemos um cálculo no Ministério das Cidades e constatamos que, na área do saneamento isso leva pelo menos 1 ano e meio, porque saneamento envolve grandes obras e tem muito a ver com impacto ambiental. É muito difícil para uma prefeitura, que não tem equipe, botar isso em funcionamento.

 

Governo aposta no mercado

 

Então eu sinto, nas entrelinhas, que o governo apostou no mercado, que o mercado seria mais ágil. Eu vi uma entrevista do presidente Acebip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança) dizendo que o mercado já tem projetos prontos, e tem terra. As empresas que abriram capital na Bolsa compraram muita terra e ficaram descapitalizadas para construir. Então esse pacote é bem-vindo.

 

Muitas dessas empresas, como a Camargo Corrêa, a Cyrela, a Gafisa, por exemplo, têm um braço do que elas chamam de moradia econômica. Mas o pessoal chama de mercado econômico a faixa de R$ 200 mil, o que é hilário – para não dizer outra coisa. Tive uma vez uma conversa com um diretor de banco e ele disse “nós fazemos moradia para baixa renda”, e citou lá os R$ 200 mil. Eu disse a ele que não estão chegando nem nos 35% da população. O mercado trabalha com um país de ficção na cabeça.

 

Mas essas grandes empresas, como a Camargo Correa, de construção pesada, quando veem dinheiro grande para moradia tentam entrar no mercado de edificações. Isso não é ruim. São empresas produtoras que vão produzir em massa. Já começaram. O problema dessas empresas é que elas vão ficar numa faixa que estava fora do mercado, mas não na faixa que compõe a maior parte do déficit habitacional. 85% do déficit habitacional brasileiro está na faixa de zero a três salários mínimos. Esse mercado que falou que ajudou a fazer o pacote, que tem projetos, não é o nosso mercado prioritário.

 

Clientelismo piora

 

(O mercado) é um lado do poder sobre as cidades. Do outro lado está o clientelismo, são os donos de bairros. Como é que você fazer planejamento urbano num país onde é preciso dizer que quem vai definir o que vai ter nesse bairro não é o vereador que é dono do bairro, e sim o Plano Diretor? Nós até temos alguns planos diretores bons, como o de Santo André. Mas a maior parte dos planos está ou não sendo aplicada ou mudada, como é o caso do plano de São Paulo.

 

Temos mudanças, trazidas pelo processo de globalização, e temos persistência. Acho que nos últimos dez anos há um recrudescimento do clientelismo urbano. Com a ditadura isso havia sido abrandado. E eu não estou dizendo que isso foi bom, não; a ditadura traz uma tradição de planejamento tecnocrático, que também ignorou os pobres. Também não foi bom. Ela deu um upgrade no avanço do capital imobiliário, na indústria da construção. Foi impressionante nos anos 1970.

 

Oportunidade de disputa

 

Se você fala ‘meu negócio é criar emprego, não é resolver o problema da habitação nesse momento’, você está correto. Embora o emprego na construção não seja dos melhores, se você olhar os direitos, a jornada, a rotatividade etc. Mas se eu falo que, além de criar emprego, quero mudar esse quadro de desigualdade extrema nas cidades, diminuir o crescimento e o adensamento das favelas (que está se tornando algo patológico), quero diminuir a ocupação de áreas não apropriadas para urbanização… Aí é que eu digo aos que criticam o pacote, por ser “imobiliário”, por não levar em consideração a política urbana: acho esse pacote uma oportunidade de disputa para as forças sociais que querem mudar a história das cidades brasileiras.

 

Acho que esta é a grande chance, já que não conseguimos instituir até agora o Estatuto das Cidades. Estamos sofrendo uma derrota, nós que queremos cidades mais democráticas, menos segregadas, menos violentas… Porque essa coisa de juntar pobre longe de tudo e adensar, tipo Cidade de Deus, dá naquilo que deu.

 

Não repetir o BNH

 

Agora, nós sempre dissemos que faltava subsídio. Temos subsídio agora, e é hora de irmos para a luta. Vamos ver se historicamente nós conseguimos exigir que o mercado aprenda a trabalhar com a baixa renda e, em segundo lugar, que o mercado e as prefeituras que insiram a população de baixa renda nas cidades. Senão, a crítica vai ser a mesmíssima que eram feitas ao BNH (extinto Banco Nacional da Habitação): gerou emprego pra chuchu, construiu muito, mas favoreceu a classe média e aprofundou as desigualdades.

 

Quando eu estudava o BNH, eu tinha um colega que pagava de prestação um valor mais baixo do que o preço do carnê. A classe média foi ultra-favorecida, e ela foi apoio da ditadura, aliás. Eu não gostaria de ver isso novamente, mas parece que estou vendo de novo uma história. O que o BNH trouxe? Foi muita moradia para a população pobre? Sim, foi mais do que se verificou nas décadas de 1980 e 1990, quando as favelas explodiram de vez (a taxa de crescimento foi de 7,4% na década de 80 e quase 5% na década de 90, se eu não me engano). Então, o BNH produziu alguma coisa para a baixa renda, porém, produziu muita segregação e subsidiou a classe média.

Tesouro vai dar subsídios de R$ 16 bi para o bolsa-habitação

março 25, 2009

Quarta-Feira, 25 de Março de 2009 

 

Dinheiro vai para famílias com renda de até 3 mínimos, que pagarão prestações simbólicas ou receberão a casa de graça
Lu Aiko Otta e Isabel Sobral, BRASÍLIA

O governo terá R$ 16 bilhões em recursos do Orçamento para o “bolsa habitação”, o programa que subsidiará casas a prestações simbólicas para as famílias com renda de até três salários mínimos (R$ 1.395), informam fontes da área econômica. Segundo o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, esse grupo terá “subsídio total”, ou seja, a casa poderá até sair de graça.

“Será a primeira vez que o Orçamento Geral da União vai aportar um volume tão grande de recursos somente para subsídio.” O dinheiro não será todo desembolsado este ano. Ele sairá dos cofres públicos ao longo dos contratos, que durarão 20 a 30 anos. No entanto, o Tesouro terá de fazer uma provisão conforme os contratos forem assinados. A expectativa dos técnicos é que o grosso do provisionamento ocorra em 2010.

O pacote da habitação, porém, contempla outras faixas de renda. Ontem, o Conselho Curador do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) aprovou um novo orçamento, que destina um total de R$ 4 bilhões para subsidiar este ano empréstimos habitacionais para os mutuários com renda entre três e seis salários mínimos. No programa inteiro, que pretende construir 1 milhão de casas num prazo indeterminado, os subsídios do FGTS chegarão a R$ 12 bilhões.

Esses subsídios servem para baixar o juro e o valor da prestação da casa própria, segundo explicou o representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Conselho, Jacy Afonso. Os recursos são entregues ao agente financeiro.

No total, o FGTS aprovou ontem um orçamento de R$ 23 bilhões para financiamento da casa própria para as famílias com renda entre três e dez salários mínimos. Foi um acréscimo de R$ 13 bilhões à proposta original. Além dos R$ 4 bilhões de subsídios, haverá R$ 19 bilhões para financiamentos com juros que variam de 5% a 8,6% ao ano.

O pacote da habitação, uma das plataformas de campanha da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, à Presidência da República, será anunciado hoje pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva numa grande festa política. Foram convidados todos os governadores, todos os prefeitos de capitais e de cidades com mais de 150 mil habitantes, empresários do setor, senadores e deputados, além de representantes de movimentos sociais ligados à habitação. O lançamento das medidas vem sendo adiado desde dezembro do ano passado.

A construção de 1 milhão de moradias vai criar 532 mil empregos diretos, segundo estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), sob encomenda do governo. O impulso do pacote no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) será de 0,7 ponto porcentual.

“Serão medidas de grande impacto”, disse o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. “É uma alternativa para enfrentar a crise e, sobretudo, para gerar emprego”, disse o vice-presidente da Caixa Econômica Federal, Wellington Moreira Franco.

Carlos Lupi afirmou que o pacote da habitação não põe em risco a saúde do FGTS. “Não haverá desequilíbrio porque o FGTS tem um patrimônio de R$ 200 bilhões, está saudável e muito forte.”

O Conselho Curador do FGTS também aprovou ontem um acréscimo de R$ 3 bilhões para os projetos de saneamento e de R$ 1 bilhão para renovação de frota de ônibus este ano. Segundo Lupi, esses dois programas criarão 260 mil empregos diretos e vão acrescentar 0,3 ponto porcentual no PIB.

O pacote a ser anunciado hoje também deverá conter medidas para atender à classe média. O valor máximo dos imóveis que podem ser comprados com o saldo do FGTS do mutuário, atualmente em R$ 350 mil, deve ser elevado. O valor mais provável, segundo técnicos, é R$ 500 mil. Ontem à noite, Lula reuniu-se com Dilma e os ministros da Fazenda, Guido Mantega, e da Comunicação Social, Franklin Martins, para uma última revisão das medidas.

COLABOROU TÂNIA MONTEIRO